O avião se aproximava do aeroporto Santos Dumont, no Rio. Levar passageiros pela ponte aérea não podia, nesse caso, ser taxado de rotina. A paixão de Rodrigo era voar, contrariar a gravidade. E se o tempo ajudava, vinha o pedido à tripulação.
- Vai lá, bota o copo de refrigerante em cima da galley.
Pois é, na pista curta do aeroporto carioca, Rodrigo fazia o avião pousar de forma tranqüila, tocar o chão sem solavancos, chegar ao fim da pista sem derramar uma gota daquele copo.
Rodrigo da Matta era um piloto acima da média, instrutor com um histórico de vinte anos que roubaria de Tom Cruise o titulo de Top Gun. O Comandante da Matta era um astro da estrela brasileira.
Rodrigo era um dos talentos que a Varig usou para iluminar os céus do Brasil e tornar a empresa numa referência da aviação mundial
O Comandante Rodrigo da Matta pousou definitivamente há quase 5 anos. Venceu os ventos, os temporais. Perdeu para o ocaso da Varig. A voadora brasileira e o seu talento morreram no mesmo dia, 27 de junho de 2006. Um infarto tirou a vida do pai de Serena, Maria Vitória e Jerônimo. A administração caótica tirou a Varig dos ares.
- Eu soube que Rodrigo foi o primeiro a morrer com a morte da Varig e o número 506 no percurso da agonia dela.
A viúva Rita sofreu como mulher e colega de trabalho. Era comissária de bordo. A perda dela e de outras 15 mil pessoas ultrapassa e muito a questão financeira.
Os empregados da Varig carregavam mais do que um crachá. Tinham orgulho de ser variguianos e, perceber esse lado emocional, é fundamental para quem deseja alcançar a dimensão do tragédia que tomou conta da vida deles.
A Varig foi colocada em recuperação judicial e partida em duas. Uma parte podre, nomeada Flex, ficou com o passível de R$ 8 bilhões. A parte boa, responsável pelas rotas e posições em aeroportos do mundo inteiro foi vendida por R$24 milhões para o fundo de investimento Matlin Patterson, controlado pelo chinês Chap Lan, e depois revendida para a Gol por R$320 milhões. Os funcionários foram quase todos demitidos e até hoje não receberam as indenizações trabalhistas. E até quem já não estava mais na Varig foi atingido.
- Eu ganhava em 2006, um mês antes da intervenção do Aerus, o benefício bruto de R$ 3745,00. Hoje, só recebo R$ 592,55. Mas tem gente recebendo verdadeiras migalhas.
O lamento é do comissário de bordo aposentado Paulo Rezende. Ele trabalhou quase a vida inteira na Varig e contribuiu mensalmente para um fundo de pensão Aerus, mantido pela empresa e pelos funcionários.
O Aerus foi a pique quase na mesma época da empresa, exatamente 2 meses antes. Os problemas de caixa fizeram a Varig deixar de repassar a parte dela e a que descontava nos contra-cheques dos empregados. A Secretaria de Previdência Complementar interviu. Extinguiu os planos Aerus 1 e 2 e os pensionistas perderam seus rendimentos.
Sem indenização trabalhista, sem pensão para os já aposentados e ainda sem o dinheiro depositado mensalmente num fundo que deveria garantir a tranqüilidade dos ex-funcionários da Varig. Esse foi o trágico ano de 2006, mas de lá pra cá nada mudou.
A parte comprada pela Gol virou Nova Varig. A promessa era ocupar o espaço deixado no mercado internacional. Mas a falta de organização fez com que o projeto se encerrasse em pouco mais de um ano. Os vôos internacionais fora da América do Sul deixaram de ser feitos.
A Flex, com o passível, a parte podre do negócio, segue num processo pré-falimentar. Os ex-funcionários da Varig ainda esperam receber algo das indenizações trabalhistas, mas essa possibilidade fica cada vez mais distante. A falência já chegou a ser decretada, mas houve uma reviravolta e a Flex segue em recuperação judicial.
Os variguianos acusam o Governo Federal de, no mínimo, ter sido negligente no tratamento da questão. Ironicamente, a salvação para essas 15 mil pessoas está exatamente numa grande trapalhada do Palácio do Planalto.
O congelamento dos preços determinado pelo plano cruzado em 1986 criou a seguinte situação no mercado de aviação. O valor das passagens era fixo, mas os custos subiam normalmente já que eram regulados pelo mercado internacional. As empresas, então, resolveram acionar o Governo Federal na justiça para receber pela defasagem tarifária.
A Varig foi uma delas. O processo se arrasta por mais de uma década. Todas as decisões apontaram que a empresa tinha direito a ser indenizada pelo Governo Federal. E o valor é estratosférico: mais de R$ 7 bilhões.
Depois de uma decisão favorável à Varig no STJ, o Governo recorreu ao Supremo. O processo foi parar nas mãos da Min. Cármen Lúcia e nas mãos dela está desde 2008.
Sem decisão, seja qual for. A única movimentação importante foi a suspensão do andamento do processo para que o Governo e os representantes da Varig pudessem negociar um acordo. Foi em março de 2009. O prazo era de 60 dias. Não houve acerto e o processo voltou para as mãos da Ministra Cármen Lúcia.
Parte desse montante bilionário deveria ser destinado para quitar os débitos que a Varig tem com o Aerus e permitiria que pensionistas e ex-funcionários da Varig conseguissem reaver parte do dinheiro que investiram no plano. Sem falar que a massa falida da empresa poderia pagar a outros credores, entre eles os funcionários que foram mandados embora por telegrama em 2006 e não viram um tostão até hoje.
Rodrigo da Matta, comandante dos bons, variguiano dedicado, não passou por todo esse sofrimento. A família dele sim, ao lado de outras milhares de famílias que esperam ainda receber parte do que perderam com o fim da Varig. Uma esperança que se perde um pouquinho a cada decepção.
Eles esperavam que o Governo Federal salvasse a Varig; que a intervenção no Aerus tivesse acontecido a tempo de salvar as pensões e o dinheiro investido pelos funcionários da ativa; que não fosse permitido a um investidor chinês lucrar 1300% em apenas 9 meses com a negociação do que restou da empresa que amavam e à qual se dedicaram até o fim.
Agora, eles esperam que uma ministra do supremo possa simplesmente cumprir o seu papel de julgadora e ponha um fim a essa história para que milhares de famílias possam, finalmente, enterrar as decepções e sofrimentos que aterrissaram em suas vidas desde o ocaso da Varig