Saindo do Hotel Plaza... (última parte)
Ele era forte e alto, moreno de bigode espesso. Tinha alegria de viver. De tudo fazia piada. Vivia imitando homossexual. E fazia com tal maestria que quem não o conhecesse juraria que aquele personagem era ele, realmente. O vôo estava lotado. Eu estava na primeira classe e precisei apanhar algo na galley da econômica. A correria era geral, e, com rapidez no corredor encontrei com o Manoel que disse em um repente, “Pare!”, estanquei assustado e aquele homenzarrão com a mão delicadamente pressionando o peito com o dedo mindinho apartado dos outros, falou com voz delicada e zombeteira, “Aqui você tem que me pedir licença, pois eu sou a rainha desta passarela” fiquei sem saber o que fazer. Olhei em volta sem acreditar no que estava ouvindo e ele continuou, “Você pode ser mulher por mais tempo que eu, porque é mais idosa, mas eu sou mais mulher que você, porque sou feminina, Agora vá buscar o que você deseja” Sem olhar para trás segui rápido e quando me vi só, tive uma crise de riso ao lembrar do rosto dos passageiros observando aquela cena. Ele já havia sido chamado à Chefia e disseram, “Pô Manoel, por que ficas imitando viado a bordo?” no que ele respondeu, “ Há tanto viado imitando homem, por que não pode ter um homem imitando viado?” Ser humano fantástico, só se ouvia falar dos gestos de solidariedade com os amigos, sua lembrança é uma luz, e como estamos precisando de claridade, como está fazendo falta Manoel Barbosa.
O pensamento é um cavalo bravio impossível de montá-lo. Na verdade, para que ele nos serve? Sentimo-nos vivos quando pensamos. Há um estado de segurança indescritível. A vida não foi vivida em vão. A lembrança, boa ou ruim é um diploma de garantia da existência. A experiência toma proporções exageradas. Dá-nos um ar de respeitabilidade por termos trilhados aqueles caminhos. E a preciosa liberdade não é um pássaro solto, pois está sempre presa a um fio condutor que se chama experiência.
O que é isto? Não posso divagar em filosofias agora, isto é para outro momento. Observando uma lâmina de luz vinda do mar, penso em como tudo começou na Lagoa dos Patos. Daria tudo para ver Rubem Berta remando no barco, com o combustível aos seus pés, levando os passageiros para o hidroavião. Será que sabia que o empuxo que ele deu, iria fazer com que sua aeronave fosse dar milhares e milhares de voltas ao redor do mundo? Quantos sonharam o seu sonho. Sofreram, lutaram e morreram para manter a sua realização. Santos Dumont vivia quando a Varig estava no ar. Criador e criatura no afã de criar e servir.
Ah, prezado leitor, você pode estar imaginando que quero super valorizar estes fatos. Não, com certeza não! Apenas não quero que o cotidiano venha se misturar a fatos importantes, igualando-os a lixo.Exercício de Marinharia, novembro de 1982; enviada por Tânia Bucher |
Aquele prédio que está agora defronte a mim havia nele um aparato técnico para formar profissionais de alta categoria. Simulador de vôo o mais moderno. Salas de aulas para formar comissários com os mais competentes professores, médicos para ensinar primeiros socorros e aulas de Etiqueta Social. Cursos variados, terapias de trabalho em grupo, como fazer o despacho de um passageiro, perceber se ele está nervoso na hora do embarque e saber compreendê-lo, na situação dele estourar seu estresse com o funcionário. Como agir, falar, sorrir sempre demonstrando total segurança. Haviam barracões laterais pintados, elegantes, onde funcionava o departamento de pessoal para informações iniciais aos primeiros candidatos ao trabalho. Após a aprovação dos testes de competência, o idioma inglês era obrigatório, os aprovados iam fazer exames médicos no segundo andar onde trabalhava uma equipe médica de primeira qualidade no cenário brasileiro. Nada passava desapercebido do olhar destes profissionais. Ao ser entregue o novo funcionário à secção onde iria desempenhar suas funções, com certeza ele estava apto, pois já havia sido preparado. Seja para trabalhar “na terra”, aeroviários, ou “no vôo”, aeronautas.
Rio de Janeiro, novembro 1982; colaboração de Tânia Bucher |
No mês de fevereiro de 1971 eu chegava ao Despacho de Passageiros no aeroporto do velho Galeão.
Ever Botelho, 2006
Nenhum comentário:
Postar um comentário